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A bicharada falando de deficiência

Campanha da Fraternidade 2006

Autoras: Patrícia Geciauskas e Cecília Pellegrini


Cenário: O interior de uma toca, onde vivem 2 amigas (Nina e Malu). Um sofá, 2 banquinhos e alguns almofadões no centro. Sinais de muita bagunça no ambiente, desleixo pela toca.

Personagens: 3 bichos: Elefante Tito (deficiente: sem uma das patas superiores, tem uma das patas inferiores paralisadas e visão em apenas 1 olho), Nina (tigresa) e Malu (ursa).

[Em cena está uma tigresa, de costas, deitada nos almofadões.]

[Toca a campainha e a Nina, dá um rugido (tipo bocejo), virando-se para a plateia.]

NINA: - Já vai, já vai... ai que sono [rugido bocejo e volta a dormir.]

MALU [levanta-se atrás do sofá e só parece o rosto dela. Dá um rugido-bocejo]: - Se toca Nina, tem bicho na nossa toca... [volta a se esconder atrás do sofá.]

NINA [imitando]: - Se toca, tem bicho na toca... que coisa, esses bichos pensam que sou surda... [abre a porta e dá de cara com Tito (deficiente)].

TITO: - Nina? É você? Ouvi você gritando como sempre com a campainha...

NINA: - Tito? Não acredito, você sumiu, peraí... está bem diferente... o que aconteceu com você? Parece meio “quebradão” Ai... Que saudades... [abraça Tito].

TITO: - Também estava com muitas saudades...

NINA: - Venha, entra... [puxa Tito, sem saber onde pegar, mas Tito dá uma interrompida.]

TITO: - Calma Nina, preciso ir devagar. Não me lembro direito de como era sua toca...

NINA: Hãããã, como assim? O que aconteceu com você depois de todos esses anos? Esses óculos, essa sei lá... bengala?

TITO: - Nina, Nina... aconteceu algo muito triste comigo... depois de sofrer um acidente horrível na floresta perto do riacho.

NINA: - Não me diga! Ali no riacho, onde sempre colocam armadilhas para pegar os bichos da floresta?

TITO: - Exatamente. O buraco era tão profundo, acabei perdendo a visão do olho direito, perdi a pata dianteira esquerda e a pata traseira esquerda ficou semiparalisada, motivo pelo qual ando de bengala [fala como se já tivesse superado o “trauma”.]

NINA: - O quê? você? ficou assim? e fala com essa calma toda... Eu, eu nem sei o que dizer... [anda pra lá e pra cá] como foi que isso aconteceu? Que vida é essa que a gente leva, só problemas, só problemas... E esses humanos que só querem pegar os animais e vender, feito objetos.

TITO: - Calma Nina, calma... eu já estou superando isso, demorou um pouco, é verdade, mas hoje sou um “outro” animal, hoje dou muito mais valor à nossa vida aqui na floresta... às verdadeiras amizades, à minha família, enfim, vamos falar de coisas boas? ... E você? o que você tem feito?

NINA [fala toda agitada]: - Ahhh, sei lá, trabalhando... sabe como é que é né? [olha pra Tito] olha, eu estou tão preocupada com você, você nem me avisou... E agora? O que você vai fazer? Como vai... sei lá...

TITO: - Ninaaa, esquece isso, já passou, hoje estou bem... quero saber sobre você ... Ahhhh, lembra aquele curso de pintura que começou? Já terminou?

NINA: - Ahhh Tito, sabe o que que é... ai, a vida é tão dura, você sabe... acabei desistindo... muito cansativo, muito mesmo, tinha que seguir pela trilha dos arbustos pra ir. Aquelas plantas ressecadas, cheias de espinho, me arranhando toda. Ir e voltar por esse caminho. Depois andar mais um pedaço, não é fácil não, longe, muito longe...

TITO: - Puxa vida... que pena, você gostava tanto...

NINA: - Pois é, mas são as dificuldades da vida aqui na floresta... a gente tem que abrir mão, quero dizer, abrir a pata de tanta coisa... Tito, estou tão preocupada com você, ai que vontade de chorar.

TITO: - Ei... pára com isso Nina, já disse, estou bem... hummm me lembrei... e o seu piano? Onde está? [procura] Lembra que começou aprender a tocar?

NINA: - Meu piano? Ahhhh é... já ia esquecendo, lembraaaa? Pois é, vendi...

TITO: - Vendeu?

NINA: - Então... eu até comecei a participar das aulas sabe, mas como eram à noite, aquela música toda ia me relaxando, e eu acabava dormindo na sala de aula [rugido-bocejo] Acredita? Vendi meu piano, mas troquei por um cachorro com pedigree e tudo... Você sabe, né, agora os poucos bichos que restam na floresta resolveram imitar os humanos: ter um animalzinho de estimação. Não pensei 2 vezes: troquei o piano pelo cachorro, com pedigree e tudo. Mas, você não sabe, o danado, mal-agradecido fugiu. Você acredita? Tinha tudo aqui na toca e acabou fugindo, é como eu sempre falo, os bichos não dão valor a nada do que tem, nem os cachorros... por isso que eu sempre falo: como nós, os animais temos problemas, não é verdade?

NINA: - Mas estou preocupadíssima com você, hãããã [toda agitada] quer um leite, água, sei lá... qualquer coisa...

TITO: - Água Nina, por favor...

[Nina pega um recipiente com água e vai tentar ajudá-lo a tomar.]

NINA: - Tome, eu ajudo você...

TITO: Não, não precisa Nina... Eu posso fazer isso e muitas outras coisas sozinho ... Obrigado.

MALU [aparece]: - E aí? Fala aí bicharada!

NINA: Essa é minha amiga, Maria de Lourdes... Lembra dela Tito? Aquela que só quer imitar os humanos. Olha só como ela...

MALU [interrompe a fala da Nina]: - Pô pára, pô pára... Maria de Lourdes não, meu nome é MALU entendeu? Igual àquela atriz famosa. Pô... sai fora, que coisa, tenho que ficar repetindo toda hora, toda hora...

TITO: - Como você está Malu? Eu me lembro de você sim. Vocês resolveram dividir as despesas da toca aqui na floresta porque acabou a mata do outro lado da montanha, não é?

NINA: - Nossa, que memória de elefante... Foi isso mesmo.

MALU: - Nossa! “Cê” tá velho, heim? Peraí, você é meio cegueta?

NINA: - Maria de Lourdes!

TITO: - Deixa Nina, eu lido diariamente com esse tipo de reação. Sim Malu, sofri um acidente e acabei ficando com apenas metade da visão...

MALU: - Nossa, caraaamba... desculpa aí, meu... e agora? O que você vai fazer?

TITO: - Já faço... eu trabalho, estudo, cuido da minha toca, das minhas coisas, até do meu cachorro, e olha que ele nunca fugiu de casa... [brinca.]

MALU: - Meu, que irado... Ele até tem cachorro também...

TITO: - E você? Está estudando? Quantos anos você tem hoje?

MALU: - Então... tenho 22, parei de estudar porque era muito complicado, sabe como que é? Ai, eu acho um “porre” a escola sabe? Agora vou tentar, sei lá, acho que vou tentar arrumar um emprego, tô pensando ainda o que eu gosto de fazer... mas “meu”, é como a Nina fala, até que isso eu concordo, é tudo super complicado sabe...

TITO: - Que pena que você pensa assim Malu, você é tão nova...

NINA: - Peraí Tito... Como é que você estuda? Trabalha? Não acredito... Como faz isso sendo assim?

TITO: - Ah, Nina, acabei me adaptando, mudei alguns hábitos, aprendi a mexer com apenas um lado do corpo, até aprendi “braile”, e muitas outras coisas...

NINA: - Braile? Aqueles pontinhos? Nossa! Ai Tito, tô tão preocupada com você...

TITO: Mas você ainda não me contou o que tem feito... tem trabalhado? Tem ido à missa? Lembra quando você participava do teatro na missa dos filhotes? Como era lindo ver aquele monte de bichinhos, tão pequeninos olhando, rindo, participando, aprendendo...

NINA: - Nossa! É verdade... eu tinha até esquecido... bom, tô trabalhando numa firma de quebrar coco pra macaco. Ah, essa firma é muito chata, período integral, acredita? Das 8 da manhã até às 5 da tarde, faz uma ideia de como eu tô cansada? Bom e na missa, quer ver [fica fazendo cálculos com os dedos] ai, faz tempo que eu não vou, viu, não consegui arrumar tempo ainda... Quando acordo pronto, a missa já começou e à noite me dá uma preguiça... é complicado...

MALU: - É... complicado... Parei de ir também pelo mesmo motivo.

TITO: [se levanta] ... Que pena Nina, que pena Malu, estou tão preocupado com vocês duas...

NINA e MALU: Hãããããa? Preocupado conosco?

TITO: - Nina, quando eu te conheci, você era um animal tão positivo, trabalhava, estudava, fazia tantas coisas, cuidava tão bem da sua toca, escrevia historinhas de teatro para os filhotes na Igreja... já eu não, eu era um animal que vivia achando que a vida era difícil, que tudo era muito complicado, eu reclamava de tudo, mas agora não... hoje eu sei que tinha tudo, eu não enxergava, hoje sim eu enxergo tudo o que Deus, o bicho-rei, me deu e de tudo o que sou capaz de fazer... Mas sabe por que estou aqui ?

NINA: - Não... O que foi agora?

MALU: - Ué... veio visitar a gente...

TITO: - Também, mas preciso da ajuda de vocês...

NINA: - Ué... nossa ajuda? Como assim?

MALU: - Sabia que ia sobrar pra mim...

TITO: - Vocês pararam de ir à missa, mas eu continuei firme e forte. Por isso consegui superar as consequências do acidente tão bem. Este ano, estamos falando dos bichos que, assim como eu, possuem algum tipo de deficiência.

NINA e MALU: - Ah! Então tá fácil pra você!

TITO: - Sim, mas preciso da criatividade de vocês para conseguirmos fazer com que os bichos filhotes, os pequeninos ainda, consigam entender a mensagem que queremos passar.

NINA e MALU: - O quê? Você... quer a nossa ajuda?

TITO: - Vamos lá, amigas, vocês podem, basta querer.

NINA [recolhendo as roupas espalhadas pela toca]: - Nossa, que honra Tito. Voltar a organizar as ideias, as palavras, criar historinhas...

MALU: - Taí. Adorei! Conte conosco [abraçam o Tito.]

TITO: - Obrigado, eu sabia que vocês topariam.

NINA: - Está na hora mesmo de movimentarmos um pouco mais a nossa vida, não é Malu?

MALU: - É sim, Nina. Eu precisava de um agito, de um objetivo. Pensar nesses filhotes irá me fazer um bem danado.

MALU e NINA: - Obrigada Tito! [abraçam o Tito novamente.]

TITO: - Que tal irmos lá rever a comunidade? Eles vão adorar.

MALU e NINA: - Vamos agora mesmo.

TITO, MALU e NINA: - Tchau filhotinhos... [rugido forte.]

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